segunda-feira, 26 de julho de 2010

As lendas de Geiranger




Parte 1: A longa jornada


Até um ano atrás acho que nenhum dos leitores desse blog faziam idéia do que se tratava Geiranger. Eu me encaixo nesse grupo; não sei quanto aos outros macacos, mas pelas conversas que tive com o Vítor, ele só veio a descobrir o local quando resolveu dar uma pesquisada nos fiordes noruegueses para analisar um possível roteiro com eles no meio. O que poderia ser improvável devido a custos e localização: ocorreu! E posso garantir em nome de todos aqui que foi o momento mais fantástico da viagem – creio que continuará a ser.

Um dos filmes que mais marcaram a minha infância foi Parque dos Dinossauros (Steven Spielberg, 1993), a partir dele decidi naquele momento que seria paleontólogo, como os protagonistas da história. Atualmente, com a minha opinião (chata) de futuro cineasta, não considero Jurassic Park um grande filme, não está nem próximo dos meus favoritos do Spielberg (sim, eu gosto do Spielberg)... Mas a mágica que ele representou para mim lá nos meus 6 anos, se reflete até hoje. A primeira canção que minha memória buscou ao começar a ver a paisagem incrível no caminho de trem para Geiranger foi o tema do filme. Assim como o Dr. Allan Grant, que ao chegar à ilha dos dinossauros olhou assustado para aqueles seres pré-históricos, os macacos aqui ficaram deslumbrados pelos três dias que se sucederam no fiorde.

Partimos de Oslo para Dombaas (DOMBÓOOS!!!) bem cedo, e nessa primeira viagem em busca de Geiranger já nos deparamos com uma figura ilustre, quem poderia esperar que a Isa, mesmo sem joelhos, conseguiria chegar tão longe... Mas ela chegou!!


Olhem a Isa ali na frente, pena que ela nem deu papo para gente. :/

Em Dombaas, basicamente saltamos de um trem para o outro. Próxima parada: Åndalsnes, o ponto mais ao norte da nossa jornada (62º34’N 7º42’E). O trecho já começava a ser um preview de tudo que estava por vir, o trem vai parando nas principais pontos naturais, construções e até uma civilização (Bjørli, um povoado de 150 pessoas, onde a maior atração – aparentemente – é aguardar a passagem do trem com turistas curiosos). Ficamos bem impressionados com a cor da água, um azul que eu só tinha visto algo parecido naquelas fotos promocionais do Caribe, etc. Nesse momento decidimos que custe o que custar (o frio intenso naquele lugar, em especial), nós mergulharíamos na água de Geiranger (por isso, continuem lendo e descobra se fomos machos o suficiente!).


As imagens falam por si só.


Chegando a cidade mais nórdica da nossa viagem: se não fosse pela parada dos ônibus que levam aos fiordes da região e a paisagem belíssima, a cidadela poderia ser mais uma Katrineholm da vida (que a partir de agora se tornou sinônimo de “limbo”/”vazio”). Acredito inclusive que existiam pessoas para se ver no nosso ângulo de visão muito graças aos japoneses (que invadem qualquer parte do mundo: até lá!).


Mais uma cidade deserta para o currículo




Bruno fazendo trabalho de campo de geologia até quando tá de férias.

No busão íamos, enfim, em direção a parada final. Antes de continuar a rasgação de seda necessária pela natureza norueguesa é necessário comentar a figura épica do motorista, um mito que fazia curvas perfeitas em desfiladeiros onde um erro é fatal (frase pronta ideal para o momento)!


Vai tentar dirigir aí, vai.


Mais algumas paradas: todas já nos indicavam que nossa escolha por fazer um looping maluco no roteiro do mochilão tinha sido um tiro no alvo. Não sei ao certo quando a música do Jurassic Park surgiu no meu consciente, mas a travessia de barco para chegar a Geiranger seria um belo momento para essa narrativa.

A partir daqui eu aconselho que vocês leiam ouvindo a música (se quiserem ter a mesma sensação que eu, se não, ignorem!):




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Parte 2: Chegada e o primeiro encontro com os (ex)soviéticos



Os três na mesma foto. Coisa rara!

As 6 e pouco da noite já caminhávamos nas terras do Fiorde em busca de um camping para nos acomodarmos (os japoneses obviamente foram para o hotel 5 estrelas). Com pouca paciência e muita fome, paramos naquele que parecia o mais central e com nome mais óbvio: Geiranger Camping. Acho que nossa primeira escolha foi perfeita (o camping), a segunda nem tanto (o local para se acampar)... Montamos nossa humilde barraca ao lado de um bando de tendas com TVs LCD, frigobar, isso sem contar os trailers dos magnatas. Após certa “luta” com a barraca, ela estava armada e nós estávamos a comer no primeiro almoço de verdade do dia (umas 7 e pouco da noite), eis que... uma família de russos para de carro na nossa frente e começa a reclamar que nós colocamos a barraca na vaga deles. Aí vocês já sabem, nós pedindo desculpa e explicamos pros sujeitos que não sabíamos que ali era vaga (detalhe, eles tinham espaço suficiente para parar o carro sem precisar encher o nosso saco). Após a suspensão do nosso almoço, retiramos tudo da barraca (leia comida pra caramba, mochilas, roupas) e a recolocamos há uns 5 metros da sua primeira fundação.


Barraca no primeiro e no segundo lugar. Por incrível que pareça ela estava mais segura na frente de uma outra barraca.



Esse encontro com os russos me chamou atenção para a quantidade de turistas do leste europeu (chegou até uma galera da Lituânia lá...), parece que eles são os únicos, além dos noruegueses, que descobriram o lugar de verdade, ao menos para acampar, porque os ricos de verdade ou estavam nos hotéis, ou nos cruzeiros que surgiram lá no mar todos os dias.


Vista da estradinha que levava as trilhas

Feito esse parêntese, voltamos para a nossa aventura em Geiranger. Decidimos que uma caminhada de curta distancia seria uma boa idéia para o primeiro dia: 1. Para testar nosso preparo. 2. Porque já estava tarde, e mesmo lá não escurecendo, não estávamos a fim de ficar perdidos de madrugada naquelas montanhas. Escolhemos uma de uns 2 km (não me peçam nomes, por favor), e descobrimos que estávamos completamente despreparados, em especial o Vítor que sempre vinha uns 10 metros atrás da gente. Mas completamos a nossa primeira trilha, dispostos a arriscar mais no dia seguinte (na volta da trilha o Bruno ainda matou uma lesma preta, racista!!!).



Bruno morrendo, um exemplo do nosso folego para caminhadas.


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Parte 3: As lendas entram em ação


Antes de começar a descrição da nossa longa caminhada, é necessário dizer que a noite foi tensa para mim. Tá certo que estamos no verão europeu, mas estávamos na Noruega, e num lugar bem ao norte do mundo. Detalhe, eu estava SEM sleeping bag! E pior, começou a chover!! Bom, não sei como, mas sobrevivi, mesmo com as minhas pernas congelando em parte (ok, sem exageros, mas eu acordei a noite de tanto frio).

O dia da grande trilha iniciou com um bom café da manhã (na medida do possível), colocamos umas capas de chuva e fomos até o fjordsenter (Central do Fiorde, local para buscar informações sobre trilhas e os fiordes em geral) e decidimos a primeira trilha do dia, o local dessa foto. A verdade é que basicamente caminhamos pela estrada (trilha?) não achamos essa pedra da foto, só um bando de turistas tirando foto do penhasco (que era realmente muito íngreme). Qual é né? Nós podíamos muito mais do que isso! Fomos em direção a algo mais roots: Storseterfossen (com esse nome também). A caminhada foi intensa e com inúmeros escorregões devido ao lamaçal da chuva, encontramos russos (pra variar), uma família de espanhóis enganadores (falaram que faltava pouco pra terminar a trilha... sei sei...), um grupo de franceses... Agradecemos a cada escorregada quando chegamos ao ponto final da trilha: uma queda d’água lindíssima aonde a gente ainda podia passar por baixo dela. Descansamos, deu tempo até para um picnic.



O picnic embaixo da cachoeira


Vista da cachoeira... pouca altura.


Mas somente essa trilha era insuficiente para nós. A partir daí começou a caminhada que nos tornaria mitos: Vesterassaetra. Não faço idéia do que significa isso em norueguês, mas deve ser algo como “trilha da várzea”, ou “trilha do riachinho”, caminhamos sobre a água metade 2/3 da trilha (tempo suficiente pra eu ter que jogar 3 pares de meia direto no lixo), contamos com a ajuda de algumas ovelhas para nos guiar pelo caminho (só ovelhas mesmo, porque o local era totalmente ermo), eu até tive meus 15 segundos de fama como pastor.


Thico, o pastor e a ovelha (tinham outras...)


Enfim, chegamos! O final da trilha era um rio, um grande córrego. Era lá que nós iríamos honrar com nosso compromisso: nós íamos mergulhar na água gélida do fiorde norueguês. O Bruno foi o primeiro a arriscar a vida, saindo são e salvo, eu resolvi tentar também, por fim o Vítor. Aquele mergulho pareceu me renovar uns 5 anos, foi basicamente levar a palavra revigorante ao extremo. E nós não nos arrependemos de nada, diria que se pudesse, até iria de novo. Valeu a pena!



Só pra comprovar os fatos acima (o vídeo do Bruno mergulhando fica pra quando chegarmos no Brasil. Aqui a conexão não tá ajudando.)


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Parte 4: Comentários finais


Os três macacos voltaram para o acampamento com a sensação de dever comprido. 8 horas de caminhada (ida e volta), 16 km caminhados próximos a 700m do nível do mar. Para passar por paisagens únicas, cachoeiras, escorregões múltiplos, ovelhas mijonas, europeus perdidos, e terminar com um mergulho épico numa água com uma temperatura de uns 3 graus!



A noite merecia algo melhor, gastamos um pouco mais jantando uma pizza. Fomos para a barraca e dormimos facilmente após um dia tão agitado, dessa vez eu resolvi utilizar minha mochila como saco de dormir, não é que deu certo (por mais que eu tenha acordado com a perna doendo no dia seguinte)! No dia seguinte partimos de Geiranger às 10 da manhã e agradecemos por cada minuto naquele lugar único.

Quando eu era menor, meu pai me dizia que era uma Lenda na Noruega (sabe como é, aquelas invenções saudáveis que pai faz pra filho). Que ele tinha ganhado inúmeros prêmios lá, seja dos mais nobres como salvar o “reino” norueguês, aos mais bizarros como surfar (?) em algum rio do país. Finalmente eu conheci o país onde o meu pai é uma lenda. Nesse mesmo lugar, eu e meus camaradas Bruno e Vítor, caminhamos quilômetros e mergulhamos no gelo. Seriamos nós lendas norueguesas também?

6 comentários:

  1. Esse foi o post mais bonito até agora. Talvez o lugar mais bonito da viagem de vocês também!

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  2. O momento mais esperado da viagem pelos seguidores do Blog "Les trois macaques", assim imagino, lindamente narrado!! Fotos ótimas e surpreendentes!! Maravilha! Parabéns prá vcs!! E o mochilão continua...HAVE FUN!!! Ah! Li o texto escutando a trilha do Jurassic Park e realmente foi uma emoção a mais!!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Foi a minha mãe que postou aí acima , aparentemente. Logada com o meu nome?? hahah

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  5. EEE! Eu tava mesmo ansiosa por Geiranger. Muito bom, muito lindo o lugar. E vcs são as únicas pessoas que eu conheço que incluiram a Noruega e trilhas e acampamento no mochilão, não só albergue-trem-praça-restaurante-museu. São grandes lendas sim, hahaha.

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  6. pows, que foda. ainda bem que eu fiquei em dumbus e não fui com vocês fazer as trilhas, meu joelho não aguentaria. mas eu estou bem, está tudo certo aqui comigo e os noruegueses.

    beijos meninos!

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